Artigo: Vestibular para todos?

Por | 27/09/2013

Setembro é um mês especial para a juventude, ou, pelo menos para aquela parcela que está concluindo o ensino médio. É o período das inscrições nos concursos vestibulares para ingresso nas universidades públicas estaduais.

As moças e rapazes da classe média, que estudam em escolas privadas, iniciam sua aventura já no 2º ano quando, sem restrições financeiras das famílias, podem inscrever-se como “treineiros”, fazer um teste, adquirir experiência na realização da prova, preenchimento do gabarito e todo o ritual que marca a disputa pelo direito de capacitar-se profissionalmente, nas melhores universidades do País, gratuitas, totalmente mantidas pelo Estado.

Muitos desses jovens, paralelamente ao ensino médio frequentam cursinhos pré-vestibular, onde também são “treinados” para o momento do exame. Não é a toa que este seleto grupo ocupa 75% das vagas da Universidade de São Paulo (USP). 
É uma inversão perversa, denunciada há décadas – a rede pública de ensino responde por 85%  das matrículas do ensino médio, e essa imensa maioria de jovens fica com 25% das vagas da USP, situação que se repete nas demais universidades públicas.

Para reverter esta situação, e reconhecendo que o acesso à universidade é ainda mais difícil para os estudantes negros e indígenas, o governo federal, a partir de 2003, começou a estimular a destinação de cotas nas universidades federais. O tema suscitou debates, discussões. Os críticos à iniciativa profetizavam que os cotistas não conseguiriam acompanhar seus colegas da classe média nas “ilhas de excelência”, ou, pior, seriam responsáveis pela queda da qualidade do ensino superior público.
Puro preconceito contra os pobres, acrescido do racismo brasileiro, formalmente inexistente, mas que na prática continua condenando as gerações de afrodescendentes às piores condições de vida da sociedade.

O governo não se intimidou. Docentes e estudantes posicionaram-se, e as universidades federais foram criando seus sistemas de cotas. Algumas instituições estaduais, como a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), já realizavam a experiência há anos, espontaneamente. E os resultados não deixavam dúvidas: os estudantes cotistas registram desempenho ligeiramente superior aos colegas.
Ano passado, a presidenta Dilma sancionou a Lei nº 12.711/2012, que estabeleceu reserva de vagas para egressos da escola pública, negros, pardos e indígenas. A meta é que, em 2016, 50% das vagas das universidades federais sejam ocupadas por este grupo, sendo que a proporção de estudantes negros, pardos e indígenas deve ser, pelo menos, igual à sua representação na população de cada estado.

O estado de São Paulo, na contramão da história nos últimos 20 anos, foi omisso ao tema. Somente no final do ano passado lançou, sem o devido debate com a sociedade, o Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público (Pimesp), que previa o ingresso de estudantes da rede pública nas universidades estaduais para cursarem, por dois anos, um curso preparatório para a posterior entrada na graduação. 

Na prática, ciente da precariedade do ensino médio público, sob sua responsabilidade, o governo estadual tentava transferir para as universidades a missão de preparar os estudantes para a graduação.

Nenhuma das três universidades paulistas aderiu ao programa. A Unesp decidiu pela implantação do sistema de cotas, destinando 15% das vagas aos egressos do ensino público, sendo que 35% desse total será para negros, pardos e indígenas. A meta é que 50% das matrículas sejam ocupadas pelos cotistas até 2018.

A Unicamp dará continuidade ao Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS), implantado em 2004 e que inspirou o Pimesp, dobrando o número de pontos incorporado à nota final dos estudantes de escola pública como forma de estímulo. Afirma que atingirá a meta de 50% das vagas para este grupo em 2017.

Já a USP, depois de muito debate, concederá bônus de até 25% na nota final do vestibular para os inscritos que tenham cursado o ensino médio na rede pública. Afirma que a medida será suficiente para destinar 50% de suas vagas a este grupo até 2018.

A resistência paulista à reserva de vagas tem desestimulado os estudantes das escolas publicas a buscarem as universidades estaduais. Pesquisa publicada em 2012 demonstra que entre 2006 e 2010 houve redução de egressos das escolas públicas entre os inscritos para a Fuvest. De acordo com os autores, entre as possíveis explicações para o fato estão a criação de novos campi da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em Guarulhos e Diadema, a criação da Universidade Federal do ABC (UFABC), a ampliação do ProUni, e a crescente valorização do Enem. 

Também chamam a atenção para a “cultura de autoexclusão dos estudantes” em relação aos vestibulares mais disputados e seu desconhecimento sobre o sistema de ensino superior gratuito.

Enquanto aguardam sensibilidade e senso de justiça de governantes e intelectuais para a formatação de uma política de Estado que garanta, pelo menos, 50% das vagas das universidades públicas paulistas, os estudantes das escolas públicas tentam isenção de taxas para fazer sua inscrição nos exames, estudam por conta própria ou buscam cursinhos gratuitos para suprir a defasagem do conteúdo, em grande medida provocada pela falta de professores especialistas.

A estas moças e rapazes, nossa admiração, na expectativa de que ocupem seu lugar de direito no sistema público de ensino.

Boa prova a todas/os!

Saudações PeTistas, 


Geraldo Cruz
Deputado estadual

MATOS, MAURICIO DOS SANTOS; PIMENTA, SELMA GARRIDO; ALMEIDA; MARIA ISABEL DE; OLIVEIRA; MARIA AMÉLIA DE CAMPOS. O impacto do Programa de Inclusão Social da Universidade de São Paulo no acesso de estudantes de escola pública ao ensino superior público gratuito. R. Bras. Est. Pedag., Brasília, v. 93, n. 235, p. 720-742, set./dez. 2012.